quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

PSICOLOGIA E EDUCAÇÃO: CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL DE VYGOTSKY

Lev Vygotsky (1896-1934) é considerado como um dos mais importantes pensadores russos do campo da educação e psicologia principalmente durante o século XX. Não obstante, até os dias de hoje suas ideias permanecem não apenas importantes, mas também exercendo uma significativa influência.

A teoria histórico-cultural criada por ele contou com a participação de outros importantes pensadores que colaboraram com essa perspectiva psicológica, tais como: Leontiev (1903-1979), Luria (1902-1977) e Elkonin (1904-1984). Buscavam explicar tanto o funcionamento psicológico quanto a constituição do sujeito no processo histórico-cultural. Compreendiam a educação, de certo modo, como sinônimo de humanização. Configurando a educação basicamente assim, dentre outras coisas, como um processo de formação e desenvolvimento das qualidades humanas.

Vygotsky “foi o primeiro psicólogo moderno a sugerir os mecanismos pelos quais a cultura torna-se parte da natureza de cada pessoa” (COLE & SCRIBNER, 1984). No processo de construção do conhecimento o sujeito não é apenas passivo, regulado por forças externas, mas também é ativo, moldado por forças internas. O sujeito do conhecimento assim é interativo. Logo, o ser humano não é um mero produto do seu meio, mas sim um agente ativo na construção desse contexto.

O ser humano vai construindo o seu conhecimento através de uma interação mediada por diversas relações intra e interpessoais. Por isso, que essa abordagem sobre a aprendizagem humana o fez ficar conhecido como cognitivista e também chamado de socioconstrutivista.

Porém, o termo mais adequado a ser utilizado, no geral, é teoria histórico-cultural. Sendo a interação social estabelecida no universo histórico e cultural do ser humano algo que tem primazia sobre o amadurecimento biológico. Por outras palavras, isso significa dizer que primeiro as pessoas aprendem depois se desenvolvem. Aparecendo isso como característica principal que possibilita condições favoráveis de diferenciar a sua teoria também conhecida de socioconstrutivista da teoria de outros pensadores como, por exemplo, o do construtivista Jean Piaget.

Segundo Almeida (2004) a perspectiva psicológica de Vygotsky supera a visão de algumas escolas psicológicas que limitavam bastante a compreensão das funções psicológicas a uma dimensão puramente orgânica e biológica.

Porque a perspectiva psicológica de Vygotsky transcende a ciência natural e a ciência mental. Tendo em vista que não explica os fenômenos psicológicos por elementos naturais relacionados a dimensão sensorial ou a estímulos-respostas. E nem apenas por elementos mentais de funções psicológicas complexas.
Pois, os naturalistas assim como os mentalistas estabeleciam uma fragmentação do conhecimento psicológico e educacional, ou seja, artificialmente separavam e isolavam importantes fatores que estão naturalmente conectados: corpo/mente, consciência/ ação, natureza/ ser humano. Ele criticava na época o uso da ciência na qual eliminava o caráter interativo dos fenômenos como se fossem estáticos.

Para Vygotsky a diferença principal que distingui os seres humanos e os animais reside na aquisição humana das funções psicológicas superiores. Já que os outros animais atuam apenas nas funções psicológicas inferiores. Os desenvolvimentos dos processos psicológicos superiores não podem ser entendidos como condições estáveis e fixas, mas sim dinâmicas e flexíveis.

Segundo Silva (2006) a diferença entre os processos elementares psicológicas e os processos superiores é que geralmente os processos elementares são controlados pelo meio e os superiores se orientam pela autorregulação. Correspondendo as funções psicológicas superiores, dentre outras coisas, a memória, lembrança, percepção, atenção voluntária, linguagem, pensamento e ação intencional. Nenhuma função predomina de maneira única e exclusiva, mas sim em conjunto e inter-relacionadas. Apesar de que em um momento ou em outro uma determinada função pode normalmente acontecer de se sobressair as demais.

Desenvolvendo-se através da interação social e da mediação cultural. Essas funções não são inatas, mas surgem e melhoram ao longo do tempo com o conhecimento, a experiência e a interação com as outras pessoas, objetos e ambientes.

Elkonin (1987) afirma que o desenvolvimento do ser humano nos primeiros anos de vida não é resultado de capacidades adquiridas naturalmente, na medida em que como ser social depende das condições de vida e da educação para se desenvolver. Levando em consideração a realização de relações estabelecidas por mediações, mas também a realização de atividades que sejam significativas.

Dois elementos básicos que fazem parte da mediação são: ferramentas e signos. Basicamente correspondendo o instrumento as ações sobre os objetos e o signo correspondendo as ações sobre o psiquismo das pessoas. “O signo age como um instrumento da atividade psicológica de maneira análoga ao papel de um instrumento no trabalho (VYGOTSKY, 1988).

Assim como os instrumentos são importantes para auxiliar o ser humano a resolver problemas, desempenhar serviços ou suprir necessidades na vida. Os signos são importantes para colaborar em solucionar questões psicológicas. Sendo assim, ferramentas envolvem mais ações externas e signos envolvem mais ações internas.

A sociedade cria ferramentas e signos ao longo da história. Aonde os signos mediam primeiramente a relação da pessoa com as outras pessoas e posteriormente consigo mesmo. Sendo o contato social consigo mesmo entendido como uma das manifestações mais plenas da consciência. Para esse pensador a interiorização de ferramentas e signos produzidos culturalmente, de um modo ou de outro, possibilita o desenvolvimento cognitivo (VYGOTSKY, 1988).
Porque na teoria vygotskyana a transformação do homem de biológico em sócio-histórico acontece em um processo no qual a cultura é parte essencial da constituição da natureza humana. Aonde a internalização aparece como sendo “a base do salto qualitativo da psicologia animal para a psicologia humana” (Vygotsky, 1984, p.65). As funções psicológicas evoluem e se deslocam do campo de uma natureza natural em direção a atuação no campo de uma natureza cultural quando mediadas.

As funções psicológicas superiores caracterizam-se pelos comportamentos humanos que são conscientes. Toda função psicológica superior é social. Correspondendo a uma atividade consciente do ser humano que se desenvolve nas condições sociais de vida historicamente formadas.

O sujeito a partir da consciência projeta aquilo que irá construir na natureza ou planejar nas suas ações realizadas na sociedade, ao contrário dos demais animais que o fazem por instinto. Nesse sentido, a função psicológica superior é de natureza social, porque diferentemente do que ocorre com os animais, responde tanto a estímulos dados quanto a estímulos criados.

É válido destacar que Vygotsky, em 1924, em uma palestra na qual realizou intitulada de “consciência como um objeto de psicologia do comportamento”. Esse pensador defendeu que a consciência deve permanecer como objeto de estudo da ciência psicológica. Na medida em que “ao fechar para si o problema da consciência, a psicologia está fechando para si o caminho da investigação de problemas mais ou menos complexos do comportamento humano” (VYGOTSKY, 2004, P. 56).

A consciência é um dos fatores mais importantes que constitui as funções psicológicas superiores. Desprezar esse fator seria equivalente a restringir a sua abrangência na compreensão das questões psicológicas e educacionais. Contudo, temos que ter um certo cuidado com “o fato de o fenômeno ser menos consciente não o torna menos psíquico” (VYGOTSKI, 190/2003, p.112).

Lembremos que o inconsciente e o consciente fazem parte de maneira indissociável da vida humana. Na medida em que “no inconsciente há elementos também do consciente e no consciente há elementos também do inconsciente. O mais importante mesmo é conseguir tornar o que é inconsciente em consciente e não o que é consciente em inconsciente” (Antonio Gustavo).

Para Vygotsky certamente a sua preocupação fundamentalmente reside na questão do desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Mas, a consciência aparece assim incluída como um dos elementos significativos. Pois, manifesta, sobretudo, hoje se sabe, um dos níveis e atividades mais elevadas das funções psicológicas superiores.

Haja vista que, muitas das vezes, quando esse pensador usa o termo consciência quer se remeter a inter-relação dessas diversas funções. Por isso, a consciência pode ser considerada uma das funções mais amplas e profundas. Auxiliando tanto na questão intrapsíquica quanto na questão Inter psíquica. Na dimensão intrapsíquica, por exemplo, contribui, dentre outras coisas, para o autoconhecimento e a constituição da individuação: “quanto mais você se conhece, mais consciente você se torna. Quanto menos você se conhece, menos consciente você se torna” (Antonio Gustavo)

Além disso, a teoria histórico-cultural de Vygotsky encontra respaldo no caso, por exemplo, de duas meninas que ficaram conhecidas de “meninas lobas” nas quais foram encontradas na Índia vivendo no meio da natureza com a alcateia, isto é, a manada de lobos.

Onde assim nesse ambiente desprovidas de contato com outros humanos. Sem estabelecer relações sociais e nem culturais não desenvolveram o comportamento humano que resultasse essencialmente no surgimento e aprimoramento das qualidades humanas. “Na ausência do outro, o homem não se constrói homem” (Yves Vygotsky). Sendo assim, segundo esse pensador podemos dizer que o ser humano não nasce humano, mas ao longo do tempo vai se tornando humano.

Por isso, nessas condições não conseguiram chegar a alcançar as funções psicológicas superiores, mas apenas as funções psicológicas elementares de caráter biológico que geralmente se constituem em atenção involuntária, reações reflexivas e memórias sensoriais.

Porque a criança internaliza as experiências externamente e reconstrói individualmente. Assim a formação do sujeito acontece no movimento de individuação a partir de experiências proporcionadas pela cultura. O sujeito de alguma maneira é diferenciado, mas se constitui na relação com os outros (SMOLKA e GOÉS, 1993).

Por outras palavras, o que ocorre é que basicamente o indivíduo internaliza os elementos da sua cultura, construindo seu universo intrapsicológico a partir do mundo externo. Num percurso do desenvolvimento humano em que a direção sinalizada de acontecer é de fora para dentro.

Sendo o universo social a condição e o resultado do aparecimento da cultura por ser uma produção humana e uma obra coletiva (SIRGADO, 2000). A passagem do homem do estado biológico para o estado cultural revela que a história do homem é a história dessa transformação na qual ele não deixa de ser biológico e nem cultural, no entanto se desenvolve ao longo do tempo como ser humano nas relações sociais fundamentalmente pela cultura.

Por exemplo, ao colocar a questão da relação entre funções elementares ou biológicas e funções superiores ou culturais, Vygotski não está como fazem outros pensadores seguindo a via do dualismo. Pelo contrário, ele está propondo a via da sua superação. Logo, as funções biológicas não desaparecem com a emergência culturais, mas adquirem uma nova forma de existência, ou seja, elas são incorporadas na história humana (SIRGADO, 2000).

A teoria histórico-cultural de Vygotsky aplicada na questão da educação. Entende que no ser humano “a grade maioria dos conhecimentos e habilidades do homem se forma por meio da assimilação da experiência de toda a humanidade, acumulada do processo da história social e transmissível no processo de aprendizagem” (LURIA, 1991, p.73)

Isso significa que a aprendizagem inicia antes da escola. Porque desde os primeiros anos de vida a criança está exposta aos elementos da cultura, instrumentos, linguagens e presença de outras pessoas. Nesse sentido, os conceitos espontâneos da criança são um produto pré-escolar e os conceitos científicos são um produto da aprendizagem escolar. Os conceitos espontâneos se referindo a “compreensão inconsciente e a aplicação espontânea” (VIGOTSKI, 2009, p. 274) e os conceitos científicos se referindo a compreensão consciente e a aplicação intencional.

Logo, a escola aparece como o local privilegiado para o desenvolvimento da aprendizagem da criança. Pois, o contato com a cultura e o conhecimento científico acontece de maneira sistemática, planejada e organizada. Na mediação do sujeito com outros estudantes e os professores interagindo entre si participando e colaborando. Na aprendizagem o professor intervém positivamente visando principalmente estimular o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores.

Nessa teoria psicológica e educacional acredita-se que praticamente toda modalidade social quando situada num certo contexto no qual objetiva a promoção da aprendizagem pode ser utilizada na situação escolar. Sendo a aprendizagem na perspectiva histórico-cultural entendida como: um processo de humanização no qual propicia aos seres humanos condições de desenvolverem as suas aptidões na medida em que se apropriem da cultura historicamente constituída pela humanidade através das interações sociais estabelecidas.

Onde a educação deve ser caracteriza como um processo que leve em consideração as experiências assim como os conhecimentos prévios dos estudantes, impulsionando-os a construir novas experiências e novos conhecimentos a partir das interações sociais e culturais. Sendo o conhecimento uma construção social influenciada por práticas sociais, crenças e valores.

É necessário que o professor aplicando a psicologia histórico-cultural na prática educacional conheça bem, a medida do possível, as características de seus alunos. Buscando criar um ambiente escolar no qual a realização da aprendizagem valorize a interação e a troca de conhecimentos entre eles.
Para Vygotsky (1998, p.75) “[..] todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: primeiro, no nível social, e, depois no nível individual; primeiro entre pessoas (interpsicológica) e, depois, no interior da criança (intrapsicológica) [...]”
Para Vygotsky o bom ensino é aquele em que a aprendizagem consegue preceder o desenvolvimento. Transmitindo a criança o ensino do que não aprende sozinha ou se aprendendo sozinha com o auxílio de uma outra pessoa pode passar a aprender ainda mais do que antes.

O aprendizado, sobretudo, costuma ser incorporado como produtor de algo novo na criança. Focando em despertar o saber para o que ainda não sabe. De um modo ou de outro, o resultado mais visado do trabalho educativo além da aprendizagem certamente é a humanização do indivíduo.
“O aprendizado é um aspecto necessário e universal do processo de desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente organizadas e especificamente humanas” (VIGOTSKI, 1988). Sendo inconcebível cogitar a possibilidade de efetivação da aprendizagem sem o estabelecimento, em alguma medida, das relações sociais nas quais são fundamentais. O ser humano é um ser inerentemente social.

Em vista disso, é impossível pensar o ser humano privado da participação de algum grupo cultural e, muito menos, também privado do contato de outras pessoas que disponham de instrumentos e signos essenciais para o desenvolvimento das funções psicológicas tipicamente humanas.

O professor na sua prática pedagógica torna o ensino, o conhecimento e a experiência socialmente acumulada pela sociedade assimilável para o estudante, apropriando o mundo externo pela internalização na qual qualifica o desenvolvimento das crianças para assumirem características humanas não-naturais nas quais são formadas historicamente e culturalmente. Favorecendo, por exemplo, condições do estudante está apto a desenvolver as funções psicológicas superiores.

Portanto, as contribuições da teoria histórico-cultural principalmente com o pensador Vygotsky certamente são não apenas várias, mas também relevantes com destaque no campo psicológico e educacional, suas ideias vão desde a relação entre aprendizado e desenvolvimento, passando pelas funções psicológicas superiores, a formação de conceitos científicos, a internalização, a mediação até a consciência. Por esses e outros motivos, podemos assim entender porque é tão importante mesmo essa teoria histórico-cultural de Vygotsky.

TEXTO: ANTONIO GUSTAVO


REFERÊNCIAS:

ALMEIDA, S.H.V. O Conceito de memória na obra de Vigotski. Dissertação (Mestrado em Educação: Psicologia da Educação). – Pontifícia Universidade de São Paulo, SP, 2004.

COLE, M. & SCRIBNER, S. "Introdução". In: VYGOTSKY, L.S. A formação social da mente. São Paulo, Martins Fontes, 1984.

ELKONIN. D.B. La psicologia evolutiva pedagógica en la URSS. Moscou: Editorial Progresso, 1987.

LA TAILLE, Yves de. Piaget, Vygotsky, Wallon: teorias psicogenéticas em discussão/ Yves de La Taille, Marta Kohl de Oliveira, Heloysa Dantas. _ São Paulo: Summus, 2019

LURIA, A. R. Curso de Psicologia Geral. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, p. 71-84, 1991.

SILVA, Antonio Gustavo. Inconsciente em consciente. BLOG: Fragmentos dos Meus Uni-Versos. Disponível em: https://antoniogustavobr.blogspot.com/2024/03/inconsciente-e-consciente.html. Acessado em: 21/01/2025

SILVA, Antonio Gustavo. Consciente. BLOG: Fragmentos dos Meus Uni-Versos. Disponível em: https://antoniogustavobr.blogspot.com/2024/02/consciente.html. Acessado em: 22/01/2025

SILVA, Daniela Regina da. Psicologia da Educação e Aprendizagem. Associação Educacional Leonardo da Vinci (ASSELVI). – Indaial: Ed. ASSELVI, 2006.

SIRGADO, Angel. P. O social e o cultural na obra de Vigotski. Educação & Sociedade, 2000.

SMOLKA, A.L.B & GOÉS, C. (orgs) A linguagem e o outro no espaço escolar: Vygotsky e a construção do conhecimento. Campinas, Papirus, 1993.

VYGOTSKY, L. A formação social da mente. 6. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1988.

VYGOTSKY, L. A construção do pensamento e da linguagem. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

VYGOTSKI, L. Conscience, inconscient, emotions. Paris: La Dispute. 2003.

VYGOTSKY. L. Teoria e método em psicologia. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

FILOSOFIA: O QUE É O ESTOICISMO? QUAL A SUA IMPORTÂNCIA?


O estoicismo é uma interessante perspectiva filosófica originada durante a Grécia antiga, aproximadamente a 300 anos antes de cristo. Sendo fundada no século IV a.c pelo importante pensador Zenão de Cítio (334-262 a.c). Foi um dos primeiros a definir de maneira clara, em sua obra intitulada “Da Natureza do Homem”, uma das características primordiais do estoicismo na qual entende que o ser humano deve “viver de acordo com a natureza”.

A natureza é a fonte de todas as coisas e estabelece a interconexão entre todos os seres vivos. Buscar viver em harmonia com ela é algo essencial. “Nascemos para colaborar e agir uns contra os outros é contrário à nossa natureza” (Antonio Gustavo). Tudo está conectado e cada um enquanto parte integrante desse todo tem um propósito especifico a realizar.

Para o pensador Zenão as coisas basicamente podem ser divididas em boas, más e indiferentes. Ao que é bom, pertence a virtude; ao que é mau, pertence ao vício; ao que é indiferente, todas as outras coisas derivadas do que é externo. Nesse sentido, uma das características centrais do estoicismo é que assim como existe quatro virtudes consideradas principais (sabedoria, temperança, coragem e justiça) a ser seguidas. Existe quatro vícios principais (estupidez, intemperança, covardia e injustiça) a ser evitados.

Logo, as pessoas devem não apenas se ocupar em buscar o que é bom como as virtudes e evitar o que é mal como os vícios. Mas, também não se preocupar tanto com as coisas que lhe são indiferentes. O que se denomina de ataraxia, isto é, a ética baseada em manter ou alcançar um estado de serenidade na indiferença de determinados acontecimentos externos. 

Em relação a questão das quatros virtudes cardeais isso é uma ideia incorporada ao pensamento filosófico do estoicismo, cuja origem provém do pensador grego Platão. Cada uma das quatros virtudes cardeais (sabedoria, justiça, temperança e coragem) devem ser tratadas em conjunto de maneira naturalmente interativas e não artificialmente isoladas. Haja vista que estão integradas a vida.

Correspondendo a sabedoria: a capacidade de discernir o bem do mal; o certo do errado; o justo do injusto; o verdadeiro do falso. Afastando de uma percepção distorcida da realidade e aproximando de uma interpretação melhor. Enxergando as coisas pelo o que são e não pelo o que desejamos que sejam. “Se não for certo não faça, se não for verdade não diga” (Marco Aurélio)

A justiça: pode ser entendida como dar a cada um o que lhe é devido. Para o pensador Marco Aurélio essa virtude era considerada a mais importante: “a fonte de todas as outras virtudes”. Inclusive, ele diz que: “quem comete injustiça é um ímpio, porque a natureza do conjunto universal constituiu os seres racionais uns para os outros, de maneira que se favorecessem mutuamente segundo o seu mérito, sem que, em nenhum caso, se prejudicassem” (Marco Aurélio).

Por isso, a sabedoria para saber a verdade é algo que sempre tem de ser essencialmente alinhada à justiça para tomar decisões que promovam e beneficie o bem e combatam e punam o mal. Tanto na omissão quanto na ação pode-se constituir uma injustiça, ou seja, quem participa passivamente assistindo uma injustiça acontecendo e não interfere de alguma maneira para impedir é injusto assim como é injusto quem ativamente pratica a injustiça. Devendo ser a justiça tanto punitiva em relação aos que fizeram ou fazem o mal quanto restaurativa em relação aos que sofreram ou sofrem injustiças. Agir de maneira justa, apesar da pressão de não o fazer, isso é algo que esse pensador se preocupava e valorizava. Pois, há vidas em que dependem do uso correto da justiça e da sabedoria. “A salvação da vida consiste em ver inteiramente o que é cada coisa em si mesma, qual é a sua matéria e qual é a sua causa. Em praticar a justiça com toda alma e em dizer a verdade” (Marco Aurélio).

 A temperança: o domínio de si próprio. Assegurando o equilíbrio das emoções e razões, valorizando a moderação até mesmo no uso dos bens. Sendo o que tem valor avaliado como superior ao que tem preço. Exercendo autocontrole na atração pela ganância. O que se denomina de autarquia, ou seja, controle de si mesmo, das realidades interiores, cultivando as virtudes. 

Coragem: firmeza e constância na busca do bem. Resistindo as adversidades e superando obstáculos. A pessoa deve sempre fazer o que é certo mesmo quando tenha medo. Ter coragem é algo que envolve, por exemplo, a coragem de ser honesto, de defender os outros e de fazer escolhas difíceis. A causa da coragem assim tem que ser justa. Uma virtude em disposição da boa causa e em função da justiça.

Além disso, ideias provenientes de Sócrates também influenciaram o estoicismo, pois os estoicos concordavam com a concepção socrática de que virtude é conhecimento. Sendo a virtude considerada o bem mais elevado. Sendo assim, tanto as ideias de Sócrates quanto as de Platão são incorporadas nesse pensamento filosófico.

Tendo em vista que para entender o funcionamento do cosmo, ou seja, do universo, da natureza, do ser humano e da vida buscavam a partir principalmente da racionalidade e do conhecimento. Não se eliminando ou fugindo da emoção dos sentimentos e nem, muito menos, evitando em absoluto a emoção até porque é algo impossível, mas sim buscando diminuir o domínio dessas coisas, visando transformar o afeto irracional em afeto racional.

Há muitos pensadores estoicos, mas os principais filósofos são: Zenão, Epiteto, Sêneca, Marco Aurélio. No livro “Meditações” de autoria de Marco Aurélio apresenta ideias fundamentais do estoicismo que é resultado de um conjunto de anotações pessoais de profundas reflexões desenvolvidas sobre diferentes acontecimentos diários que são até hoje considerados por muitos estudiosos do tema como uma das principais referências sobre o estoicismo. 

Em uma das diversas passagens desse livro, esse pensador diz algo que em poucas palavras resume muito sobre o propósito do estoicismo: “Não perca tempo discutindo sobre o que um bom homem deve ser. Seja um” (Marco Aurélio). Isso é uma preocupação central que norteia a finalidade do aprendizado adquirido com o conhecimento filosófico do estoicismo, ou seja, fazer a nossa parte para construir condições favoráveis de nos tornarmos de fato seres humanos melhores. Sendo assim, mais desenvolvidos, mais aprimorados, mais evoluídos em várias sentidos e dimensões.

Portanto, para o estoicismo é importante pensar em ser uma pessoa melhor e agir nesse sentido. Pois, não colocar ideias em prática é desperdiçar os pensamentos. As ações passam a ser mais valorizadas do que palavras. Ao contrário das demais filosofias existentes, o estoicismo busca assim a praticidade e o direcionamento para as ações (SANTOS, 2021).

A filosofia é compreendida não somente como uma atividade intelectual, mas sobretudo como um exercício (MOURA, 2012). Superando a retórica e sendo praticada. Entendemos que “só as ações que são efetivamente capazes de dá sentido as nossas palavras” (Antonio Gustavo). Dessa forma, as palavras e as ações aparecem articuladas, dentre outras coisas, principalmente desempenhando a função de desfazerem abismos, criarem pontes e reciprocamente se aproximarem. Buscando-se, a medida do possível, o que é dito ser feito e o que é feito ser dito e posteriormente com isso proporcionar matéria para a realização de valiosas reflexões, por exemplo, sobre o que de melhor pode passar a ser dito e, sobretudo, o que de melhor pode passar a ser feito.

Contudo, o mar em que a filosofia navega na direção de alcançar a sua realização não é feito apenas de maravilhosas calmarias, mas também de turbulentas tempestades. O que significa dizer que nem sempre encontramos facilidades. Na verdade, encontramos em maior proporção na sociedade mais limites do que possiblidades. Por isso, filosofar não raro é nadar contra a maré, pois aonde a atividade filosófica exerce sua reflexão há quase sempre um conjunto de pessoas insensatas e ignorantes que não poupam esforços em aviltar contra a dignidade da filosofia (ALVES E SILVA, 2021).

Mas, é válido destacar que “a filosofia antes de nos levar a algum lugar, ela principalmente nos leva a nós mesmos” (Antonio Gustavo). Isso é algo que nos faz lembrar de outro princípio básico do estoicismo: há coisas que dependem de nós e há outras coisas que não dependem. Sendo assim, é errado pensar conforme o senso comum estabelecido no qual costuma dizer que “tudo depende apenas de nós mesmos”.

Por exemplo, há coisas nas quais dão certas que dependem de nós e há outras coisas nas quais dão erradas que não dependem de nós. É importante focar os pensamentos sobre o que está ao nosso controle e concentrar as ações sobre o que está nosso alcance. Aceitando ou suportando, de certo modo, o que não podemos mudar.

Pois, não podemos controlar outras pessoas, a passagem do tempo, o clima, a economia ou qualquer outra coisa externa a nós. Só temos o poder de controlar nossos pensamentos, crenças, valores e ações. A verdadeira força se encontra dentro de nós. O autêntico autoconhecimento ou a genuína mudança acontece de dentro para fora. “Você tem poder sobre sua mente, não sobre eventos externos. Perceba isso, e encontrará força” (Marco Aurélio).

Não obstante a filosofia estoica permanece auxiliando na vida, promovendo a virtude, a ética, o bem-estar pessoal e a autorrealização. Isso significa dizer que devemos continuar sendo assim pessoas mais virtuosas buscando desenvolver a sabedoria, a justiça, a temperança e a coragem em nossos pensamentos e ações. Pois, a virtude é única coisa ou uma das pouquíssimas coisas que não pode ser tirada de nós.

Por essas e outras razões podemos assim entender porque, apesar de que haja os que equivocadamente ainda insistem em dizer o contrário, a perspectiva filosófica do estoicismo até os dias de hoje de fato existe não apenas como uma boa influência, mas também contribuindo de maneira tão importante na vida das pessoas que sabem reconhecer o valor dessas ideias.

 

TEXTO: ANTONIO GUSTAVO

 

REFERÊNCIAS:

 

AURÉLIO, Marco. Meditações. Campinas, SP: Editora Auster, 2021.

ALVES, Antônio José Lopes; SILVA, Sabina Maura. Conhecer, pensar, viver ... A filosofia na sala de aula. – Florianópolis: Editoria Em Debate/UFSC. 2021.

MOURA, Drayfine Teixeira. A ética dos estoicos antigos e o estereótipo estoico na modernidade. Cadernos Espinosanos, n. 26, p. 111-128, 15 jun. 2012.

SANTOS, Rafael Silva Verdival. A contribuição do estoicismo no enfrentamento das angústias existenciais no mundo contemporâneo. Opinião Filosófica, v. 12. 2021.

SILVA, Antonio Gustavo. Ações. BLOG: Fragmentos dos Meus Uni-Versos. Disponível em: https://antoniogustavobr.blogspot.com/2022/11/so-as-acoes-que-sao-efetivamente.html.  Acessado em: 07/01/2025.

 

SILVA, Antonio Gustavo. Colaborar. BLOG: Fragmentos dos Meus Uni-Versos. Disponível em: https://antoniogustavobr.blogspot.com/2025/01/colaborar.html. Acessado em: 08/01/25

 

SILVA, Antonio Gustavo. Filosofia. BLOG: Fragmentos dos Meus Uni-Versos. Disponível em: https://antoniogustavobr.blogspot.com/2025/01/filosofia.html. Acessado em: 06/01/2025.


quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

COLABORAR

Nascemos para colaborar e agir uns contra os outros é contrário à nossa natureza.

(Antonio Gustavo)

IGNORANTES

Há pessoas que pode passar o tempo que for, mas nunca aprendem. Continuam a desacreditar de toda verdade e apenas a acreditar no que querem acreditar.

(Antonio Gustavo)

segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

FILOSOFIA

A filosofia antes de nos levar a algum lugar, ela principalmente nos leva a nós mesmos.

(Antonio Gustavo)

NOVOS MUNDOS

Novos mundos sempre se revelam no universo daqueles que veem a vida como um mistério a ser decifrado.

(Antonio Gustavo)

SEJA VOCÊ MESMO

Não se invalide para sustentar as mentiras das outras pessoas. Seja você mesmo. Viva a sua verdade. (Antonio Gustavo)